Leitura intensiva e análise semiótica


Poesia e leitura intensiva


Ler poemas nem sempre é tarefa fácil, principalmente aqueles mais antigos como das autoras do Caderno de Poesias, publicado pela Moiras, que trazem características parnasianas. Muitas palavras podem ser desconhecidas e a forma estética rigorosa, do parnasianismo especificamente, dificulta a apreensão do conteúdo.


O exame formal, das métricas, rimas e questões afins eu deixo para os especialistas da área de Letras. O tipo de análise que eu posso fazer não contempla essas propriedades, mas foca no sentido de forma mais geral. Ainda assim, requer uma leitura mais demorada do que a que empenhamos para a maioria das prosas.


O tempo de dedicação para o entendimento de poucas linhas faz muitos desistirem dos poemas para uma leitura despretensiosa de entretenimento. Ainda mais considerando que, hoje em dia, temos várias possibilidades de distração, muita informação disponível e os dispositivos tecnológicos a prender nossa atenção. Tudo isso nos traz a sensação de um tempo cada vez mais curto, picotado, conturbado e menos afeito à contemplação, mesmo nas horas consideradas livres.


Geralmente, a rapidez na leitura é valorizada. Leitores ávidos querem ler cada vez mais em menos tempo. Não há nada de errado nisso. Mas certas leituras, assim como certos momentos em nossa vida, demandam um olhar demorado, quase como uma meditação.


O historiador francês Chartier (1994)¹, cujas pesquisas se concentram na cultura da leitura e dos livros, diferenciou o leitor intensivo e o extensivo. O primeiro, com poucas opções, lia e relia o mesmo texto, até decorava para a disseminação oral. O segundo compreende o leitor depois do século XVIII, com o crescimento da produção de livros e jornais a preços acessíveis. Assim, foi viável o consumo de uma grande quantidade de textos variados.


Embora o autor esteja falando de tempos históricos diferentes, acredito que certas características da leitura intensiva sejam aplicáveis e necessárias hoje para alguns tipos de texto, como os poemas. Não quer dizer que todo mundo tenha que fazer uma análise teórica do que está sendo lido. Esse é um interesse particular que eu tenho mesmo antes do mestrado e doutorado.


A proposta da semiótica francesa greimasiana, de Algirdas Julien (ou Julius) Greimas (1917-1992), tem me atraído bastante. Utilizo algumas noções dessa teoria para breves estudos de poemas, como explico no texto abaixo. A ideia é fazer um convite a uma apreciação cuidadosa e interpretativa da poesia.

1 CHARTIER, Roger. Do códice ao monitor: A trajetória do escrito. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8, n. 21, p.185-199, 1994.


O que é semiótica?

Grosso modo, semiótica é o estudo dos signos. Estes, por sua vez, são fundamentais para a comunicação humana. Sem um sistema simbólico (composto por signos) não há linguagem. Um signo representa alguma coisa, qualquer coisa. A palavra “casa”, por exemplo, se refere à ideia geral que temos de casa. Em uma conversa entre duas pessoas quando o signo linguístico “casa” é pronunciado por um dos interlocutores o outro já entende a referência a uma construção destinada a moradia, não é necessário que eles estejam diante de uma casa para a compreensão.

Pois bem, a linguagem verbal (formada por signos verbais) é a base da linguagem humana. Mas existem outros tipos que se baseiam na verbal, por exemplo a linguagem imagética, cinematográfica, artística, entre outras. Todas elas são constituídas por signos, sejam linguísticos, imagéticos ou plásticos. Para retomar o exemplo já dado, a ideia de casa também pode ser representada por uma fotografia ou uma pintura de casa, ambas são signos.

A semiótica não estuda um signo específico. Essa tarefa é denominada semiologia. A linguística, que se concentra na língua verbal, é um tipo de semiologia. A semiótica considera unidades de sentido, entendidas como texto. Essa unidade pode ser um poema, um filme, um conto, uma frase, uma imagem, uma cultura e demais possibilidades.

Existem diferentes tipos de semiótica, mas a qual uso para analisar poemas é a francesa de Algirdas Julien Greimas (1917-1992), que se preocupou em estudar como o sentido é construído em um texto, sem se ater a priori em sua manifestação. Ou seja, o foco está no conteúdo e não na forma (que pode ser escrita, oral, fílmica, etc.). Trata-se de um percurso gerativo de sentido, que vai do mais abstrato ao mais concreto. Os níveis considerados são o fundamental, o narrativo e o discursivo.

O nível fundamental é aquele que considerei nas análises que fiz dos poemas. Ele compreende “[...] a(s) categoria(s) semântica(s) que ordena(m), de maneira mais geral, os diferentes conteúdos do texto. Uma categoria semântica é uma oposição tal que a vs. b. Podem-se investir nessa relação oposições como vida vs. morte, natureza vs. cultura, etc.”, explica o professor José Luiz Fiorin no artigo A noção de texto na semiótica.

A partir disso, temos o modelo quadrado semiótico.

A e b são opostos, apresentam uma relação de contrariedade. O mesmo ocorre entre não a e não b. A versus não b, assim como b versus não a, se relacionam por implicação. Já os pares a vs. não a e b vs. não b são contraditórios.

Cada texto tem suas especificidades na manifestação das oposições semânticas. A e b podem estar juntos, revelando um termo complexo. A junção entre não a e não b revela neutralidade. Não a e não b também podem indicar conceitos intermediários.


Os termos apresentam valores positivo (eufórico) ou negativo (disfórico). É bom lembrar que um texto abarca mais de uma possibilidade de interpretação, não há uma verdade única de sentido.


Fiz um exercício de analise com quatro poemas do Caderno de Poesias. Vou expor bem sucintamente os resultados das análises e em breve publicarei um texto com as explicações.


Poema Por que sou forte de Narcisa Amália

Oposição físico (negativo) vs. espiritual (positivo). O termo complexo de força é a união entre o espiritual e o físico.


A florista de Francisca Júlia

Natural (positivo) vs. artificial (negativo). No polo “não natural” do quadrado é possível relacionar o conceito de cultura ou civilização, sendo o “não artificial” a rusticidade ou espontaneidade.


O condor de Júlia Cortines

Terreno (positivo) versus extraterreno (negativo). No quadrado, o “não terreno” seria a solidão ou morte, enquanto o “não extraterreno” é a vida, o ordinário. A oposição ainda poderia ser divino vs. terreno, sendo o condor a neutralidade da união entre o “não divino” e o “não terreno”.


Página azul de Auta de Souza

A oposição é esperança (positivo) versus desesperança (negativo).