Poetisas clássicas


Narcisa Amália (1852-1924)

Por que sou forte

A Ezequiel Freire

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço

Ao fundo d´alma toda vez que hesito...

Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,

O limiar desse país bendito

Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!

O horror da vida, deslumbrada esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,

Que o olhar do mundo não macula, a terra

Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,

A sinfonia da paixão eterna!...

- E eis-me de novo forte para a luta



Maria Júlia Cortines (1863-1948)


O Condor


Dessa altitude, onde a voar te atreves,

Audaz, sustido pelas asas grandes,

Dessa altitude, para além das neves

Que refulgem nos píncaros dos Andes,

Se, acaso, o olhar indiferente fitas,

Longe, através da imensidão dos ares,

Mal percebes as terras infinitas

E os infinitos mares...

Embaixo, entanto, do arvoredo as sombras

Tanta frescura têm, de aromas cheia;

Das relvas corre o arroio entre as alfombras;

As ondas espreguiçam-se na areia;

Verdeja o pampa ao sol; do vento ao brando

Ofego ondula murmura a floresta;

E no ar revoam, gárrulos, cantando,

Os pássaros em festa.

Tu, galé da grandeza e do fastígio,

Tens ao redor e acima a vacuidade

Do espaço, e o céu azul, sem um vestígio

De nuvens no esplendor da claridade,

Sempre gelado e sempre emudecido:

– Vasto, triste e monótono cenário,

Onde tu pairas, como um rei banido,

Imenso e solitário...


Francisca Júlia (1871-1920)


A Florista


Suspensa ao braço a grávida corbelha,

Segue a passo, tranquila... O sol faísca...

Os seus carmíneos lábios de mourisca

Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.

Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha

Zumbe em torno ao cabaz...Uma ave, arisca,

O pó do chão, pertinho dela, cisca,

Olhando-a, às vezes, trêmula, se esguelha...

Aos ouvidos lhe soa um rumor brando

De folhas...Pouco a pouco, um leve sono

Lhe vai as grandes pálpebras cerrando...

Cai-lhe de um pé o rústico tamanco...

E assim descalça, mostra, em abandono,

O vultinho de um pé macio e branco.



Auta de Souza (1876– 1901)


Página azul

No país de minh’alma há um rio sem mágoas,

Um rio cheio de ouro e de tanta harmonia,

Que se cuida escutar no marulhar das águas

Do sussurro de um beijo a doce melodia.

Este rio é o meu sonho, um sonho azul e puro,

Como um canto do Céu, como um braço do Mar;

Loura réstia de sol a rebrilhar no escuro,

Casta luz que cintila em torno de um altar.

De um altar que palpita e que sofre e que sonha,

Soletrando a cantar a linguagem do Amor...

Do altar do Coração, a paisagem risonha

Onde brotam sorrindo as ilusões em flor.

Vem beber, meu amor, neste rio que é fonte,

É fonte de esperanças e lago de quimera...

Vem morar n’um país que não tem horizonte,

Onde não chora o Inverno e só há Primavera.